Certa vez, enquanto esperava meu voo de volta ao Brasil no aeroporto internacional de Barajas, Espanha, conheci um casal de brasileiros que acabara de voltar de Santiago de Compostela, para onde foram caminhando desde França. Conversa vai, conversa vem, fiz uma “entrevista” com eles (foi uma conversa informal, mas tão curiosa que seria uma excelente entrevista) sobre o significado da caminhada. Dizia ele: “o maior aprendizado no caminho é que devemos carregar na vida (ou na mochila) apenas o necessário”. Será que somos assim?

Já vivi um momento em minha vida onde a redução dos bens a poucas maletas era fundamental. Da 2008 e eu me preparava para viver durante um ano em Madri enquanto fazia meu doutorado sanduíche. Consegui reduzir a apenas duas malas, mas não foi fácil. Primeiro digitalizei os livros mais importantes (e os deixei guardados). Em seguida, fiz o mesmo com todos os meus cd’s e doei-os (ainda não tenho cd em minha casa). Por fim, me desfiz de todos os móveis e revisei minhas roupas. Foi bom, pois reencontrei a mulher que eu amo meses antes de ir a Madri e nos casamos logo, eu sem “bagagens” de vida para acompanhar.

Conheço outras pessoas que reduziram ao máximo suas “maletas”. Nossa amiga Juliana Colussi, por exemplo, vive na Espanha há mais de cinco anos. Há dois anos, mudou sua vida e conseguiu reduzir sua casa a apenas 24 metros quadrados, pois era apenas isso o necessário dentro de sua “mochila da vida”. E ficou super aconchegante o território da Juliana. Sua maior bagagem é, sem dúvida, o intelectual. O mesmo aconteceu com meu amigo Arthur Barroso, que há três anos decidiu mudar-se para Portugal com a esposa e o filho. Levou apenas o necessário (o que coube nas malas) e lá está, vivendo feliz e digno com o necessário (sempre acumulando bens, agora imateriais).

Porém, sempre acumulamos coisas. Somos curva de rio, onde os galhos, o excedente, vão ficando. Esse exercício de deixar o que não serve para nada é nosso maior desafio como seres humanos. Para que tanta coisa guardada? Para que tanta coisa que não nos agrega? Isso vale para os bens materiais, mas também os imateriais. Lembranças ruins, traumas, medos, sentimentos negativos. Nada disso nos agrega, mas ocupa espaço na mochila. Então, o melhor é deixa-los de lado o mais rápido possível e seguir nosso caminho com leveza nos ombros e no pensamento.

Vivo um momento em que descubro o que carrego na mala. Tenho feito diversas malas para voltar ao Brasil e vejo que me sobravam coisas. Muitas coisas, por sinal. Levo apenas as roupas necessárias – as que uso. Claro que estão as camisetas pretas surradas, com menos cor que antes. Mas apenas as necessárias. Também levo apenas os livros que me servirão em minha nova fase acadêmica (nova e velha, pois retorno ao estudo de documentários) e os que serão fundamentais ao doutorado de minha esposa. Levaremos apenas o que cabe nas malas (incluindo o excesso de bagagem) e reconstruímos no Brasil.

Mas, e a bagagem imaterial? Também deixo muita coisa. Não preciso levar os bens que adquiri por aqui. Não me serve para nada as lembranças que tenho da Claro Colômbia, que me cobrou uma roaming internacional indevido, e nem a falha da justiça local que permitiu essa cobrança. Não voou levar comigo o roubo de nossas coisas ao chegarmos aqui, nem a atitude da Avianca ao não assumir o roubo (foi meu primeiro QPCU). Não levo comigo as lembranças dos momentos de falta de respeito ao silêncio e ao descanso alheio de meus vizinhos, que insistem em contratar mariachis para animarem suas festas sábado pela madrugada. Deixarei tudo isso por aqui. Levo comigo as lembranças dos momentos em que vivemos novidades culturais, como os primeiros sabores experimentados, o passeio de trem, as subidas ao Monserrate. Também sempre levarei comigo os momentos em que minha filhinha Melissa falava palavras espanholas em meio a outras em português, nos ensinando diversas vezes o que e como deveríamos falar, ou a evolução do idioma espanhol de minha outra filha, a Julia. Por fim, levo os momentos felizes em que vivi ao lado de minha amada esposa, que por aqui comemorou três aniversários, dois deles no Andrés Carne de Res.

É o fim de um ciclo, e o começo de outro. Deixo o topo dos Andes para voltar ao interior de São Paulo. Deixo o frio diário para reviver o calor cotidiano. Falarei e português o tempo todo e penso em outro idioma (mas para uma estância curta, no futuro). O francês pode ser bastante interessante para responder às perguntas que tenho sobre documentários, mas é apenas um projeto…nada realidade. Recomeço meu novo momento enquanto termino o anterior, pois “todo empieza cerca del final”, como diz a música dos espanhóis Fito y los Fitipaldis.

20130825-084951.jpg
O sorriso de minha família é a bagagem mais importante